
Livros infantis e ilustrados, de gastronomia e de arte estão em alta para os organizadores da Feira: cada um desses tem uma seção própria, como se fosse um pavilhão, na busca de atrair não apenas editores e outros profissionais do setor mas também leitores comuns – um dos esforços da Feira neste ano. Como em Frankfurt, os três primeiros dias da BIBF são voltados para os profissionais do mercado, e o fim de semana é aberto ao público.
Tudo em Pequim é ou parece gigante: a sua Feira do Livro, que chega neste ano à sua 30ª edição, não poderia ser diferente. Anunciada pelos organizadores como a segunda maior do mundo, a Feira recebe neste ano 15 países e 150 exibidores internacionais a mais do que em 2023 – uma delas é a Aboio Editora, única brasileira a participar da Feira oficialmente. No total, são 1,6 mil expositores de 71 países.
Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, com uma corrente de comércio que chegou a US$ 157 bilhões em 2023, segundo a Agência Brasil. A China compra diversos produtos brasileiros, como soja, minério de ferro, petróleo, carnes e açúcares. Ao mesmo tempo, empresas brasileiras como Suzano, Embraer, Vale, Marcopolo, entre muitas outras, têm presença forte no mercado chinês. Essa relação ainda não desenvolveu, porém, aproximações mais consistentes quando se trata de mercado editorial.
“Um dos fatores para isso, infelizmente, é a distância”, explicou ao PublishNews, durante a Feira de Pequim, a presidente da Corporação de Importação e Exportação de Publicações Nacional da China (CNPIEC), Lin Liying. A CNPIEC é a instituição que organiza o evento. “Mais conversas entre instituições e empresas poderiam gerar cada vez mais aproximação. Porque há aqui muita curiosidade pela cultura brasileira. O futebol, por exemplo, é uma paixão em comum e pode ser usado para isso, mesmo no mundo dos livros. Cito como exemplo nossa relação com a França, que este ano voltou com um pavilhão. Nós temos um programa de intercâmbio com eles, em que uma delegação de autores e editores vêm para cá, e nós vamos para o Salão de Paris. Isso ajuda muito”.
Em junho de 2023, foi realizada uma Rodada de Negócios Virtual de Livros Infantis na China, pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) com o apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL) por meio do projeto Brazilian Publishers. De acordo com a CBL, o evento foi virtual e contou com a participação de dez editoras brasileiras de livros infantis, selecionadas com base em critérios como fluência em inglês, experiência em publicações e participação em feiras internacionais.
Durante o encontro, as empresas brasileiras realizaram interações com 28 editoras chinesas. As negociações totalizaram US$ 4,5 mil, com uma expectativa de negócios futuros estimada em US$ 225 mil.
Na ocasião, as editoras chinesas destacaram que os livros de ilustração infantil para crianças de um a três anos têm potencial no mercado chinês, considerando as questões de censura e diferenças culturais. Na Feira, em conversa com editores internacionais, o PublishNews apurou que a próxima tendência deve apontar para os adolescentes – a maior faixa etária da população chinesa, que há dois anos está encolhendo.
Tanto na Feira quanto no encontro promovido em 2023, outras tendências se confirmam: livros com ilustração de ciências e desenvolvimento escolar são bem-vindos, bem como séries de livros infantis e juvenis e obras de autores premiados ou com alta qualificação acadêmica.
A Feira de Pequim
Desde o ano passado, a Feira de Pequim ocorre em junho no Centro Nacional de Convenções da China, no bairro de Chaoyang, região central da capital, dentro do Parque Olímpico – antes, ocorria em agosto e numa região mais afastada da cidade. Em 2024, portanto, a Feira busca consolidar sua audiência e a participação internacional, oferecendo previsibilidade e um acesso mais fácil ao público não-profissional.
“As mudanças também servem para estimular uma nova geração de leitores e atraí-los para o ecossistema do livro”, diz Lin Liying.

Inteligência artificial
A Feira recebeu nesta quarta-feira (19) a segunda edição da Pubtech Conference, conferência voltada para discutir questões tecnológicas envolvendo o mercado editorial. O assunto foi inteligência artificial para o setor, especialmente o acadêmico, e houve dois formatos: apresentações em formato de palestras rápidas, de 15 minutos, e mesas de debate.

Ele explicou que o gap de desenvolvimento entre EUA e China está diminuindo, e reafirmou que as ferramentas devem ser criadas e desenvolvidas para serem assistentes dos humanos, e não substitutas. “É fundamental que as plataformas seja ‘open source’; um ecossistema fechado não será capaz de responder às necessidades de diferentes setores. Atualmente, os modelos criados em open source já estão chegando perto dos privados”, explicou.
Outra tendência apontada foi a de que “quanto menor, melhor”, contrariando a impressão comum sobre o assunto. “Assim, os modelos ficam mais poderosos com dados de melhor qualidade”, explicou.
A presidente da Elsevier para a China, Lynn Li, explicou que a empresa trabalha com inteligência artificial há cerca de 20 anos. “Mesmo assim, todos ficamos impressionados com o crescimento dos modelos generativos. De um lado, estamos animados com a tecnologia, vamos conseguir levar conhecimento para mais pessoas. Por outro, há uma pressão. Que empresa estamos tentando construir e como as tecnologias podem mudar o que fazemos?”, questionou.

Uma das plataformas da Elsevier que já está no ar é a Scopus, uma ferramenta de busca turbinada por IA na base de dados da editora.
Outro assunto que perpassou a conferência foi o da autoria. “A Springer não aceita IA como autor”, explicou o presidente da editora alemã para a China, Niels Peter Thomas. “A IA não pode assumir responsabilidade. Acredito que vamos mudar o entendimento sobre o que é a função de um autor no futuro, mas por enquanto ainda precisamos de um ano ou dois para equilibrar essa questão. Para isso, temos que ser transparentes, não deixar ninguém para trás, e entender que as mudanças na tecnologia também geram mudanças nos nossos papéis e funções”.
O diretor do departamento de relações comerciais de leitura da Huawei, empresa de telecomunicações chinesa líder do mercado global, Mao Kui, explicou que a sua área vem desenvolvendo ferramentas de leitura com modelos de IA.
Uma delas é a da seleção dos títulos. A empresa usa ferramentas para sugerir recomendações de alto nível baseadas no gosto de cada leitor, mais precisas do que os algoritmos atuais; e faz sugestões com base em situações do cotidiano compreendidas pelo smartphone, como um momento prévio de uma viagem de avião ou a hora de dormir, entre outras.
A inteligência artificial também permite personalizar o design interior dos livros digitais, seja com texturas, imagens, diferentes fontes e até modificações de conteúdo; ajuste de temperatura de cor da tela e resumos gerados por IA são outras funções, bem como gráficos gerados automaticamente da árvore de relacionamento de personagens, por exemplo. Outra aplicação faz a leitura em voz alta de textos escritos, com possibilidades de utilização de diferentes vozes – incluindo a do próprio leitor ou leitora. Essa ferramenta poderia ser útil para uma mãe ou pai que estiver longe dos filhos e não puder fazer aquela leitura da hora de dormir.
Ele também mencionou uma aplicação que está em desenvolvimento e que espera que seja liberada ao mercado em breve: o “eye-tracking”, ou seja, um sistema de monitoramento dos olhos do leitor que vai permitir a virada de páginas sem uso das mãos.
*O jornalista viajou a convite da Feira Internacional do Livro de Pequim.